Segundo arqueólogo piauiense, nos paredões do sítio pré-histórico há registros intencionais de animais que pertenceram à megafauna, como as preguiças-gigantes
Iderlan Souza nasceu em uma comunidade de 54 famílias, emoldurada por paredões estampados por figuras ocres, desenhadas por homens que viveram há pelo menos 20 mil anos onde hoje é o Piauí. Quando criança, ouvia a mãe, a agricultora Olímpia de Souza Miranda, contar que índios muito antigos tinham feito pinturas naquelas rochas. Mas foi só aos 18 anos que ele entrou, pela primeira vez, em um sítio arqueológico do Parque Nacional da Serra da Capivara. Foi fazer um curso de guia turístico da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), criada para preservar o local onde se encontra a maior concentração de sítios pré-históricos das Américas.
“Lá na fundação, pude ver pessoas mexendo com fósseis da megafauna. Ali, meu interesse despertou. Pensei: ‘Tenho de trabalhar nesse lugar’”, conta. Nem naquele tempo, nem quando começou a fazer escavações arqueológicas como técnico da Fumdham, porém, ele podia imaginar que aqueles registros milenares o fariam, um dia, desafiar teorias arqueológicas até agora consolidadas no meio acadêmico.
No ano passado, o piauiense de 31 anos apresentou a monografia de conclusão de curso de arqueologia na Universidade Federal do Vale do São Francisco. Com ousadia, resolveu defender uma ideia que passava pela sua cabeça muito antes de começar os estudos universitários. Para ele, as figuras de animais, como preguiças, tatus e cavalos, produzidas na pré-história brasileira são registros intencionais da megafauna. Dessa forma, ele propõe, pela primeira vez, que a Serra da Capivara serve de moldura para representações pictóricas de um grupo de animais já extintos, caracterizados pelas grandes proporções. Em nenhum lugar da América do Sul foram identificadas, até hoje, imagens milenares dessas criaturas.

Passo à frente

A questão é que, tradicionalmente, os especialistas da área não aceitam interpretação de pinturas rupestres. Preferem, em vez disso, que sejam registradas e tipificadas de acordo com categorias, como figura zoomorfa, figura antropomorfa ou cena de caça. “É só até aí que eles vão, não dão um passo à frente. Por exemplo, não procuram responder se essa caça é ritual”, explica a museóloga e arte-educadora Rosa Maria Gonçalves, que trabalhou seis anos na Fumdham e co-orientou a monografia de Iderlan de Souza. “Por que não se pode falar disso?”, questiona.
Deixe seu comentário
SOURCECorreio Braziliense
SHARE