Arco de arenito no sertão do Piauí. Região da Serra da Capivara encanta turistas do mundo inteiro interessados em pré-história americana. Foto: André Pessoa.

Na crise global infectada pelas consequências da pandemia da Covid-19, o setor do turismo foi um dos mais prejudicados em função das restrições impostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Reservas naturais foram interditadas, voos cancelados, hotéis fechados e todo um mercado importante na economia paralisado.

De Norte a Sul do país, ou nos quatro cantos do planeta, de uma hora para outra os turistas desapareceram trazendo preocupação para os lugares que dependem do fluxo de visitantes.

No interior do Piauí, em pleno semiárido nordestino, um parque nacional vinha numa espiral crescente no seu fluxo turístico potencializado principalmente pela inauguração do já famoso Museu da Natureza financiado pelo BNDES.

Infelizmente como uma célula contaminada, o trade turístico começou a ter problemas. Foram dias difíceis. No entanto, depois de exatos 6 meses, tudo parece indicar um promissor recomeço.

O Parque Nacional da Serra da Capivara (525 km de Teresina), é Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco e tem potencial para recuperar facilmente o seu fluxo turístico. Reaberto ao público na manhã do  último dia 8, a reserva federal é um verdadeiro tesouro cultural e natural encravado na parcela mais selvagem e protegida da Caatinga.

Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, lembra o Monument Valley, nos EUA ou o Ayers Rock, na Austrália.

Em poucos dias de abertura do parque visitantes de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Teresina, Fortaleza, entre outros, aportaram em São Raimundo Nonato e Coronel José Dias, duas pequenas cidades piauienses em busca dos atrativos da Serra da Capivara.

Histórias de amor e sexo

Sem dúvidas o maior atrativo da região são as pinturas rupestres espalhadas por centenas de sítios arqueológicos, muitos deles com sinalização bilíngue e estrutura para visitação turística, inclusive portadores de necessidades especiais.

figura masculina aparece com o órgão sexual avantajado, talvez símbolo de algum ritual. Dessa vez, quem leva as mãos à cabeça é o homem excitado, ou não. Vista de outra forma pode mostrar o homem deitado com o falo ereto e a mulher por cima, com as pernas abertas e, novamente, essa referência se repete: ela leva as mãos à cabeça como sinal de prazer.

Alguns temas se destacam nas milhares de pinturas do parque, mas as cenas de sexo explícito ou rituais misteriosos chamam a atenção dos visitantes. Figuras humanas aparentemente masculinas foram pintadas com imensos órgãos sexuais e isso se repete em inúmeros abrigos rochosos.

Qual seria o objetivo? 

Pesquisadores explicam que se deve observar as pinturas com a perspectiva do passado, e não tendo como referência a nossa sociedade contemporânea. Milhares de anos atrás, temas tabus hoje em nossa sociedade poderiam ser rituais naturais.

O sexo é um exemplo disto. Algumas pinturas da Serra da Capivara mostram cenas que podem representar uma relação sexual em família ou em conjunto, o que na perspectiva de hoje,  seria chamado de sexo coletivo, ou numa linguagem pejorativa, de bacanal.

Cena de sexo coletivo? Uma figura masculina penetra uma mulher que tem os seios acariciados por uma criança aparentemente excitada. Ao lado, outro homem com pênis ereto surge ao lado do trio.

Mas, na realidade, o significado das cenas ficou perdido no tempo. Analisando uma pintura da Serra da Capivara, o tema parece retratar a seguinte cena: Enquanto o “pai” e a “mãe” estão entrelaçados no que pode ser uma relação sexual, a imagem de uma criança surge excitada, pegando nos seios da figura feminina. Ao lado, outro jovem observa a cena. Hoje tabu, milênios atrás talvez uma cena comum.

Entre quatro paredes 

Nas sociedades indígenas não existe a figura do “quarto de casal”, comum em nossa sociedade. Vivemos em casas com diferentes compartimentos onde o sexo é realizado entre quatro paredes, de forma quase sempre discreta. No passado, a relação sexual poderia ser algo com forte conteúdo coletivo, religioso, mágico até.

Em algumas tribos indígenas, ainda hoje, as mulheres escolhem os seus maridos e fazem sexo com os homens mais fortes e saudáveis da aldeia em busca do filho mais resistente. Ao ficar velhas, passam o “seu” homem para a filha mais jovem.

Na pré-história o sexo deveria ser realizado de forma coletiva e, como mostrada na cena rupestre, enquanto o homem e a mulher se “amavam”, as crianças também ficavam excitadas e isso representava o começo de suas vidas sexuais.

Em outra cena muito simbólica na Serra da Capivara, uma figura humana masculina parece penetrar uma mulher na posição chamada de “sexo de quatro”. Ela leva uma das mãos à cabeça em um claro sinal de desejo e excitação. A figura masculina que porta uma espécie de cocar na cabeça, claramente um símbolo de status, é representada com um falo de proporções avantajadas. Na figura feminina, para representar a vulva, o desenho de um círculo com o órgão masculino muito próximo.

As pinturas do sertão nordestino impressionam pela qualidade técnica e estado de conservação. Em outra imagem simbólica, surgem duas figuras humanas, sendo uma delas, novamente, com um órgão sexual tão grande, que o segundo personagem, deitado, aparenta segurar com as duas mãos.

Poderia ser uma cena homossexual? A resposta é sim. Perfeitamente possível e até natural. Segundo a cientista Niéde Guidon (87), que nesse ano completa 50 anos da sua chegada ao Piauí, na pré-história não existia as convenções atuais, o sexo era praticado entre humanos independente do gênero, como alguns animais. “Milhares de anos depois ainda predomina o instinto primitivo consolidado em nosso DNA”, explica.

Turismo exclusivo

Conhecer a Serra da Capivara é voltar ao passado para refletir sobre o presente e planejar o futuro. Com dois magníficos museus (ainda fechados para visitação esperando a chegada de uma vacina para a Covid-19), a região tem um grande potencial para crescer com desenvolvimento sustentável, gerando emprego e renda numa das áreas mais carentes do interior brasileiro.

Monumentos geológicos se destacam no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí.
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FONTEAndré Pessoa
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