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Criado há mais de quatro décadas para preservar sítios arqueológicos com gravuras e pinturas rupestres que ilustram a mais remota presença do homem na América do Sul, o Parque Nacional da Serra da Capivara é uma espécie de tesouro escondido na caatinga. Localizado no Sudeste do Piauí, é um dos mais belos parques brasileiros, com mais de 600 sítios arqueológicos, e sua infraestrutura de visita aos paredões ilustrados na pré-história figura entre as mais bem montadas do país graças à persistência da arqueóloga franco-brasileira Niède Guidon, responsável pelas primeiras pesquisas na região e pela luta pela preservação na área de 130 mil hectares.

Em média, recebe cerca de 30 mil visitantes por ano. Até dezembro passado, porém, para chegar ao parque o turista tinha de enfrentar horas de estrada — quatro horas, se chegasse pelo aeroporto de Petrolina (PE) ou até oito horas, se o desembarque fosse em Teresina. Reivindicação antiga da antropóloga, o Aeroporto de São Raimundo Nonato, um dos quatro municípios que abriga o parque, começou a ser construído em 2004, levou quase 12 anos para ser inaugurado e só no fim do ano passado passou a receber dois voos regulares da companhia aérea Azul. Resultado: em janeiro passado, mês de férias escolares, a visitação dobrou.

— O que esperávamos há bastante tempo está começando a acontecer. Recebemos 4 mil visitantes em janeiro, o dobro de janeiro de 2022 — diz a antropóloga Marian Rodrigues, chefe do Parque Nacional Serra da Capivara, administrado em parceria pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e pela Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), entidade sem fins lucrativos criada por Niède Guidon para atuar na preservação do Parque Nacional Serra da Capivara.

Patrimônio Cultural da Humanidade desde 1991, o parque começa a receber também investimentos no entorno. Uma parceria público-privada do governo do Piauí, fechada com a concessionária Serra da Capivara Hotel Resort, é a responsável pela reforma, ampliação e modernização do Hotel Serra da Capivara, que estava fechado e deve ser reaberto ainda este ano. O hotel, que fica em São Raimundo Nonato, está sendo transformado em resort e vai chegar a 90 leitos, o dobro da antiga capacidade, garantido maior oferta de hospedagem na região, hoje centrada principalmente em pousadas.

Marian afirma que tem sido comum a presença de empresários nos municípios vizinhos ao parque, prospectando negócios que possam prosperar com o aumento do turismo decorrente do início dos voos.
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Na gestão Bolsonaro, o Parque Nacional da Serra da Capivara foi incluído no Programa Nacional de Desestatização, mas o estudo não foi concluído. Girleide Oliveira, gerente há 21 anos da Cerâmica Serra da Capivara, também criada por Niède Guidon para garantir emprego na vizinhança do parque, afirma que os últimos anos foram difíceis para o grupo. Além da pandemia, que deixou o parque fechado por vários períodos, houve também muitas ameaças de incêndio na área de preservação e dispensa de funcionários que faziam a fiscalização ambiental.
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Com a mudança de foco do ICMBio e os novos voos iniciados em dezembro passado, Girleide afirma que há um grande otimismo com o desenvolvimento do parque e dos negócios que giram em torno dele. como pousadas e restaurantes, além da própria fábrica de cerâmica.

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Os voos para São Raimundo Nonato são às quintas-feiras e domingos. Segundo ela, em média ,30 pessoas têm desembarcado todas as quintas-feiras para visitar o parque, e ficam até domingo. Até novembro passado, não passavam de cinco visitantes por fim de semana, que permaneciam no máximo dois dias.

Além de conhecer o parque, os visitantes também podem fazer um tour na cerâmica e conhecer o processo de fabricação. As peças são feitas com a argila abundante em municípios vizinhos à Serra da Capivara e a produção é feita com base em tecnologia japonesa, reproduzindo as conhecidas gravuras e pinturas rupestres encontradas nos paredões do parque.

— Estamos muito otimistas. Temos tido mais procura não só pela pousada, mas também pelos nossos produtos — diz Girleide.

Segundo ela, a cerâmica emprega hoje 89 pessoas e já consegue vender seus produtos para lojas do Sudeste e Sul do país. Niéde Guidon, que completou 90 anos no mês passado, já não está à frente das pesquisas arqueológicas, mas a Fumdham segue ativa na região e na parceria com o ICMbio para proteção do parque, que representa quase 40% da área de caatinga protegida no país.

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FONTECleide Carvalho - O Globo
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