Vista aérea do Museu da Natureza na zona rural do município de Coronel José Dias, no Piauí (Foto: André Pessoa).

André Pessoa

Em quase todas as culturas antigas sobreviveu, de uma forma ou de outra, o simbolismo da Fénix: a ave que renasce das suas próprias cinzas. Analisando a história das últimas quatro décadas na Caatinga do Parque Nacional da Serra da Capivara, no sertão piauiense, a metáfora parece resistir aos milênios, ainda mais quando desvendamos, como numa escavação arqueológica, camada por camada, da mais recente para a mais antiga, a história contemporânea da pesquisadora paulista Niéde Guidon.

Junho de 2017. Na seca e visto do alto o formato do museu começa a ganhar vida (Foto: André Pessoa).

Aparentemente a narrativa da Fénix surge na Mitologia Grega, que fala de uma ave lendária, mas também era passada de geração em geração pelos egípcios e até mesmo pelos chineses, numa mensagem determinante: a esperança nunca acaba e que podemos sempre, mesmo dos destroços, renascer. Impossível não fazer uma analogia entre mitologia e ciência tendo como referência uma pesquisadora de 85 anos, com exatamente a metade da sua vida dedicada aos estudos no interior do Brasil. Suas descobertas mexeram com a comunidade científica e suscitam novas questões sobre a antiguidade do homem americano.

Quando a máquina federal burocrata, insensível, enferrujada com as suas engrenagens travadas pela corrupção alimenta a crise mais aguda já vivida pelo Parque Nacional da Serra da Capivara, deixando a professora Guidon, literalmente, dentro de um buraco – não aquele das escavações arqueológicas, mas um poço sem fundo quase afogada pela falta de recursos e apoio para proteção, manutenção e conservação dessa reserva ambiental exemplar – ela surpreende e, como nas lendas, faz surgir do solo árido e arenoso uma obra fantástica: o Museu da Natureza.

O formato do Museu da Natureza, em espiral, semelhante a um Nautilus – crustáceo considerado um fóssil vivo pela ciência (Imagem Divulgação).

A determinação de Niéde em criar um novo museu foi transportada para o papel pela arquiteta Elizabete Buco que já tinha sua marca na região com o planejamento de passarelas de acesso aos sítios arqueológicos no Parque Nacional da Serra da Capivara e a confecção do projeto do Centro Cultural Sérgio Motta onde estão os laboratórios da Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM). Buco assina agora o projeto do Museu da Natureza em conjunto com a conceituada empresa de arquitetura A. Dell’Agnese Arquitetos Associados. Moldado com aço, concreto, alvenaria e vidros, o museu incorpora organicamente em seu interior uma rampa helicoidal no sentido ascendente para apresentar a evolução dos eventos geológicos e paleontológicos desde as origens da região até os dias atuais.

Vista interna da apresentação das diferentes salas do Museu da Natureza (Imagem divulgação).

Modernas tecnologias – De um lado, protegido pela Caatinga selvagem, oito meses seca e apenas quatro exuberantemente verde, com as suas árvores retorcidas e entrelaçadas, plantas urticantes, cactos espinhentos, e do outro, cercado por um complexo de cânions e desfiladeiros coloridos, a obra se destaca num terreno elevado, escolhido pessoalmente por Niéde Guidon, dando origem a um prédio de 4 000 metros quadrados, único no país. “Não há outro edifício circular e em espiral construído com estrutura metálica. Somente no exterior existem alguns exemplos com essa forma”, explicou o arquiteto Luiz Eugenio Ciampi em entrevista para o portal AECweb, site de arquitetura, engenharia e construção.

Vista aérea da Serra da Capivara com a Caatinga verdejante e o Museu da Natureza à direita (Foto: André Pessoa).

Com 12 salas de exposição, que sob a responsabilidade da conceituada empresa Magnestocópio, liderada pelo visionário Marcello Dantas que tem seu trabalho reconhecido por instituições como a Society of Environmental Graphic Desing de Washington (EUA) e com a coordenação de montagem de Sérgio Santos – que deslocou para o sertão do Piauí um verdadeiro “batalhão” de premiados artistas, pesquisadores, técnicos e profissionais especializados nas mais inovadoras e modernas tecnologias museológicas – o novo espaço de ciência, cultura e incentivo ao turismo promete impactar os seus visitantes, incluindo os cientistas mais experientes.

O inicio da matéria, tectônica de placas, água, suco de dinossauros, gelo infinito, a primeira transformação, desfile animal, animais pintados, caatinga, voo livre, animais noturnos e a próxima mudança, são os temas das salas do museu. Na reta final de montagem da exposição para a inauguração na próxima terça-feira, 18 de dezembro, fica evidente um espetáculo que deve encantar do simples sertanejo morador da zona de entorno do parque ao turista mais viajado.

Sala dedicada aos fósseis originais encontrados nas escavações paleontológicas (Imagem divulgação).

Todo o projeto, da sua concepção aos menores detalhes científicos, foram monitorados pela equipe multidisciplinar da FUMDHAM, uma entidade científica de renome internacional criada sob a liderança de Niéde Guidon, Anne-Marie Pessis, Gabriela Martin e muitos outros pesquisadores no começo da década de 1990. Nesse período, a uruguaia Rosa Trakalo se tornou uma das assistentes mais próximas de Guidon, e coube a ela a gestão do projeto do Museu da Natureza, inclusive a captação dos recursos junto ao BNDES que investiu R$ 13,7 milhões não reembolsáveis nesse empreendimento vizinho ao Parque Nacional da Serra da Capivara.

Infelizmente, o incêndio devastador no Museu Nacional no Rio de Janeiro que queimou parte do nosso patrimônio e manchou a imagem do Brasil no exterior, precisa servir de alerta fazendo com que o Museu da Natureza, na zona rural do pequeno município de Coronel José Dias, se materialize com a responsabilidade de representar o país e mostrar de forma séria e economicamente viável como cuidar do patrimônio cultural e natural tendo como foco a perpetuação do conhecimento para as novas gerações de forma segura e sustentável.

Conta a lenda que a Fénix era um pássaro de penas douradas e brilhantes com uma força descomunal, capaz de transportar um elefante – embora ela própria não fosse maior do que uma águia. Com o legado do Museu da Natureza para as atuais e futuras gerações, Niéde Guidon se mostra ágil e poderosa como a ave da mitologia e torna-se um importante símbolo da imortalidade e do renascimento.

Vista elevada onde se destaca o formato helicoidal do prédio do Museu da Natureza ainda em obras (Foto: André Pessoa).

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