O Piauí sempre esteve nos meus planos, desde que eu soube que lá se encontra a maior concentração de arte rupestre pré-histórica do mundo, no Parque Nacional da Serra da Capivara, no sertão à sudeste do estado. Meu outro ponto de interesse, o Delta do Parnaíba, no litoral, fica a 846 km de distância pela BR-343. Não é uma logística fácil, mas botei o pé na estrada.

Fui de avião do Rio de Janeiro a Petrolina (PE) e de lá segui de carro para São Raimundo Nonato (PI). São 300 km bem conservados na BR-324. O percurso vai tornando a caatinga familiar e prepara o olhar para o cenário espetacular do parque nacional, criado em 1979 e declarado Patrimônio Mundial da Unesco em 1991, graças às descobertas da arqueóloga brasileira Niède Guidon.

Para entender sua importância é preciso conhecer um pouco do trabalho da arqueóloga, que chegou à região nos anos 1970 e revolucionou a história da presença humana nas Américas.

Os achados levaram também à criação da Fundação Museu do Homem Americano (Fundham), que mantém constante atividade de pesquisa no parque e o administra em parceria com o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

Quatro serras formam a unidade de conservação —Capivara, Branca, Vermelha e Talhada—, numa área total de 129 mil hectares.

Dentro do parque, há uma rede de 450 km de estradas de terra, bem conservadas e sinalizadas, que levam o visitante aos sítios arqueológicos. São mais 1.300 mapeados, sendo que 900 deles têm desenhos e pinturas rupestres e 200 estão abertos à visitação (17 têm acesso para cadeirante). Os guias locais indicam roteiros que destacam os desenhos mais bonitos e relevantes.

As pinturas são feitas em paredões de pedra rosada, com uma tinta vermelha obtida do óxido de ferro. Elas mostram o cotidiano do homem pré-histórico, em cenas de caça, sexo, luta e dança. Há até uma cena de parto e uma de sexo coletivo. Os artistas do passado desenharam figuras humanas com senso estético apurado, bem como animais: felinos, veados, peixes, aves e macacos.

Grandioso como uma catedral gótica, o sítio chamado de Toca do Boqueirão da Pedra Furada pode ser visitado à noite, com agendamento prévio.

Até as descobertas de Guidon, acreditava-se que o homem havia chegado no continente americano há cerca de 17 mil anos, pelo estreito de Bering, entre a Rússia e os Estados Unidos. Niède descobriu vestígios muito mais antigos da presença humana e aponta que o homem chegou à região do parque há pelo menos 100 mil anos, provavelmente vindo da África.

Com a criação da unidade de conservação, a fauna local está em plena recuperação —tive a sorte de me deparar com uma fêmea de tamanduá carregando seu filhote. Nas trilhas podem aparecer veados, tatus, raposas e, com certeza você verá o mocó, pequeno roedor endêmico da caatinga.

Espetáculo imperdível é a revoada das andorinhas. Todas as tardes elas chegam no pôr do sol, dão volteios no céu que parecem coreografados e, de repente, mergulham como flechas em pequenos buracos no paredão de pedra, onde passam a noite.

Dois museus criados pela Fundham —o Museu do Homem Americano e o Museu da Natureza— são essenciais para compreender a importância das pesquisas feitas na região.

Os pesquisadores reuniram um acervo com mais de 1 milhão de peças que nos ajudam a compreender o homem e o mundo pré-históricos: esqueletos, pedaços de cerâmica, ferramentas de pedra lascada e polida, urnas funerárias, ossos de preguiça-gigante, presas do tigre-dente-de-sabre. Parte do acervo está exposta nos museus.

A entrada no parque é gratuita, mas a visitação só pode ser feita com guias locais. Não precisa de carro 4×4 na maioria das trilhas, apenas um carro em boas condições.

São Raimundo Nonato tem mais pousadas e restaurantes, mas o município de Coronel José Dias fica mais perto da entrada do parque e também tem opções de hospedagem. É lá também que fica a oficina de cerâmica da Serra da Capivara. O turista pode visitar a oficina, conhecer o processo de produção e comprar as peças.

Feliz com meus dias de exploradora na Serra da Capivara, segui de São Raimundo Nonato pela BR-343 rumo a Teresina. São mais de 500 km. Pernoitei na capital e no dia seguinte cedo tomei o rumo do litoral, ao norte. São cerca de 300 km para chegar a Parnaíba, segunda maior cidade do Piauí e porta de entrada do delta de mesmo nome, o maior das Américas.

Depois de percorrer 1.400 km, o rio Parnaíba desemboca no oceano Atlântico, formando uma paisagem impressionante com dezenas de braços, canais, igarapés, cerca de 80 ilhas e uma sequência espetacular de 8 km de dunas.

O Delta do Parnaíba é uma APA (Área de Proteção Ambiental) e Reserva Extrativista, que abrange todo o litoral do Piauí e partes da costa do Maranhão e do Ceará, ocupando uma área total de 307 mil ha.

Agências oferecem passeios de barco que levam ao encontro do rio com o oceano. As embarcações param em pontos diferentes e dá para tomar banho de água doce e salgada, escalar e rolar pelas dunas de areia branca, ou simplesmente ficar no topo de uma delas sentindo o vento.

Os canais e igarapés são margeados pelo emaranhado de raízes dos manguezais, ricos em vida silvestre. De barco a remo, com experientes guias locais, dá para conhecer os meandros do mangue e ver de perto a vegetação e animais como macacos, jacarés e capivaras.

É do mangue também que a população tira seu sustento, e nos passeios é possível observar a faina de pescadores e catadores de caranguejo, siri, ostra, camarão e mexilhão.

Aves são muitas e o maior espetáculo fica por conta dos guarás, que no fim de tarde colorem o céu de vermelho na revoada para o ninhal onde dormem todos juntos.

Algumas ilhas do Delta têm hospedagem em pousadas com os confortos básicos e comida excelente, à base de frutos do mar.

O litoral do Piauí é o menor entre todos os estados do Brasil, apenas 66 km de extensão. Mas, seguramente, é um dos mais bonitos, não só pelo delta e seus labirintos, mas pelas outras praias, como as de Luís Correia e Cajueiro da Praia.

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SOURCEFolha de São Paulo
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