Ela peitou o coronelismo do sertão nordestino para mudar a lógica da pobreza. Impôs com astúcia e mão de ferro o empoderamento feminino. E agora se torna protagonista nos cinemas, aos 86 anos, 40 dos quais dedicados às pesquisas no Parque Nacional Serra da Capivara

Niède Guidon não é somente uma arqueóloga e uma cientista brasileira reconhecida mundialmente pelas novas teorias sobre a chegada dos primeiros homens ao continente americano. É uma mulher obstinada. Uma paulista de Jaú que defende a igualdade de gênero e a diversidade sexual, “porque somos todos Homo sapiens”. Ganhou prestígio na Universidade de Paris, na França, e encontrou na aridez do Piauí a razão da existência.

Estudar os vestígios dos brasileiros primitivos – e a vida de alegria e fatura que tinham – foi apenas uma parte da história. Ela peitou o coronelismo do sertão nordestino para mudar a lógica da pobreza. Impôs com astúcia e mão de ferro o empoderamento feminino. E agora se torna protagonista nos cinemas, aos 86 anos, 40 dos quais dedicados às pesquisas no Parque Nacional Serra da Capivara – a sua morada até hoje, ao lado das milhares de pinturas rupestres e da estrutura de visitação que lá ergueu, digna do título, alcançado em 1991, de Patrimônio Cultural da Humanidade.

O documentário Niède, selecionado para a mostra competitiva do Festival É Tudo Verdade, entre 4 a 14 de abril em São Paulo e Rio e Janeiro, revela a trajetória da cientista desde quando lecionava na École des Hautes Études em Sciences Sociales e imergiu na Caatinga do sul do Piauí para revelar ao mundo a arte rupestre espalhada pela região e lutar pela criação do Parque Nacional.

No longa-metragem, o diretor Tiago Tambelli conduz o espectador durante 135 minutos a uma viagem que permite sentir a pujança da fauna e da flora do lugar, além dos mais antigos sítios arqueológicos. O mistério em torno da presença humana há 50 mil anos povoa as paredes das “tocas” – pouco mais de mil cavernas foram identificadas. Há, ainda, um grande número a ser descoberto, mapeado e estudado naquela região, reconhecida como a de maior concentração de sítios pré-históricos das Américas.

O legado apresentado no documentário inclui a mais recente obra da arqueóloga, o Museu da Natureza, construído em estilo futurista na caatinga do município de Coronel José Dias (PI), com acervo sobre a evolução das espécies e do ambiente no qual viveram os primeiros brasileiros (saiba mais aqui).

“Pela primeira vez mostramos as pinturas rupestres da Serra da Capivara como elas merecem ser vistas – com a calma e a qualidade do cinema, sem uma abordagem superficial”, diz o fotógrafo André Pessoa, que integrou a equipe de produção do filme e vive há 26 anos na região, com experiência no registro imagético da arte deixada naqueles paredões pelos antepassados.

Reportagem de Sérgio Adeodato – Fotos de André Pessoa para o Página 22

Deixe seu comentário
COMPARTILHAR