Mel do Piauí é liberado para os EUA, mas tarifaço de Trump preocupa setor
Após articulação da Casa Apis, carga de 95 toneladas de mel orgânico do Piauí é embarcada para os EUA antes da tarifa de 50%, mas exportadores seguem em alerta

Cinco contêineres com 95 toneladas de mel orgânico produzidas no semiárido piauiense foram liberados para embarque nos Estados Unidos, após recuo de importadores que haviam solicitado a suspensão do envio. A carga, avaliada em R$ 12 milhões, pertence à Central de Cooperativas Apícolas do Semiárido Brasileiro (Casa Apis) e havia sido retida dois dias antes, por temor de que o produto chegasse ao território americano após a entrada em vigor da tarifa de 50% sobre alimentos brasileiros.
A liberação foi obtida na noite de domingo (13) após articulação direta da Casa Apis com os compradores e apoio de entidades do setor. Segundo Sitônio Dantas, presidente da cooperativa, a carga já se encontrava aprovada pelos órgãos fiscalizadores e pronta para embarcar no Porto do Pecém (CE), onde aguardava apenas a confirmação dos clientes.
A suspensão momentânea provocou apreensão entre os pequenos apicultores da região de Picos, Simplício Mendes e Paulistana, base produtiva da Casa Apis, cuja renda depende da exportação de mel. O embarque representa cerca de 10% da produção anual da cooperativa, que em 2024 exportou mil toneladas do produto e planeja repetir esse volume até o fim de 2025.
Cadeia produtiva do mel beneficia mais de 900 famílias
Criada em 2005, a Casa Apis é a principal referência na cadeia produtiva do mel orgânico do Nordeste. Reúne mais de 900 famílias de agricultores familiares organizadas em cinco cooperativas, com atuação em 34 municípios piauienses. A entidade mantém uma planta industrial em Picos, 28 casas de processamento e sistemas de controle certificados internacionalmente, como Orgânico, Fair Trade, True Source Honey e Non-GMO Project.
Além da produção, atua na capacitação técnica e no fortalecimento socioeconômico da apicultura no semiárido. Em anos de safra plena, a produção pode ultrapassar 1.500 toneladas. Toda a produção segue padrões exigidos por mercados externos, com foco na rastreabilidade e sustentabilidade do processo produtivo.
Nova tarifa eleva riscos para exportação
Embora o embarque tenha sido retomado, o setor ainda enfrenta incertezas diante da nova medida do governo dos Estados Unidos, que entrará em vigor em 1º de agosto. A tarifa de 50% sobre alimentos importados ameaça inviabilizar novas exportações de mel, café, suco de laranja e açúcar, setores nos quais o Brasil detém liderança internacional.
Segundo a Casa Apis, uma das alternativas avaliadas é o compartilhamento dos custos com os importadores, mas há receio de quebra de contratos futuros. A cooperativa também considera buscar mercados como Europa e Oriente Médio, mas enfrenta desafios relacionados à certificação, logística e novos canais de distribuição.
Além das barreiras tarifárias, a produção de 2025 deve ser afetada pela seca no semiárido, com projeção de queda de até 40% na colheita, o que amplia os riscos para a sustentabilidade da cadeia apícola na região.
Impacto nacional
Estudo do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV Agro) projeta que o tarifaço pode reduzir em até 75% as exportações agropecuárias para os EUA, com impacto de 0,41 ponto percentual no PIB nacional. Em 2024, as vendas do setor para o mercado americano somaram US$ 12,1 bilhões.
O governo brasileiro já discute alternativas comerciais e poderá acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC). Também está em avaliação a aplicação da Lei da Reciprocidade Econômica, instrumento que autoriza retaliações tarifárias em caso de medidas unilaterais com impacto direto nas exportações nacionais.